sábado, 8 de outubro de 2011

Foucault - Doença mental e psicologia (1975)


Foulcault argumenta, em seu Doença mental e psicologia (1975) que é possível que as confusões da psiquiatria quanto à loucura advenham do fato de que "se dá o mesmo sentido às noções de doença, de sintomas, de etiologia nas patologias mental e orgânica" (p. 5).
"Se se define a doença mental com os mesmos métodos conceituais que a doença orgânica, se se isolam e se se reúnem os sintomas psicológicos como os sintomas fisiológicos, é porque antes de tudo se considera a doença, mental ou orgânica, como uma essência natural manifestada por sintomas específicos. Entre estas duas formas de patologia, não há então unidade real , mas semente, e por intermediário destes dois postulados, um paralelismo abstrato" (p. 9)
"a doença seria alteração intrínseca da personalidade, desorganização interna de suas estruturas, desvio progressivo de seu desenvolvimento: só teria real idade e sentido no interior de uma personalidade estruturada. Neste sentido tentou-se definir as doenças mentais, segundo a amplitude das perturbações da personalidade, e dai chegou-se a distribuir as perturbações psíquicas em duas grandes categorias: as neuroses e as psicoses" (p. 9)
"A personal idade torna-se, assim, o elemento no qual se desenvolve a doença, e o critério que permite julgá-la; é ao mesmo tempo a realidade e a medida da doença" (p. 10).
"Quer suas designações primeiras sejam psicológi cas ou orgânicas, a doença concerniria de qualquer modo a si tuação global do indivíduo no mundo" (p. 11)

Impossibilidades de comparação entre a doença física e a doença mental:
Dialética das elações do indivíduo e seu meio
Instrumentais de análise das causalidades
Distinção entre normal e patológico

A doença mental não é somente a perda~
Cada doença, segundo sua gravidade, abole certas condutas que a sociedade em sua evolução tinha tor nado possíveis, e as substitui por formas arcaicas de comportamento" (p. 22)

O campo psi toma, pelo sintoma, toda a complexidade de uma existência histórica e social. Mesmo a partir da visão evolucionista da psicanálise clássica, não seriam somente os "doentes mentais" a fazerem uso de defesas mais primitivas quando a situação social promovesse um mal estar assaz mortífero. Sujeitos a isto são todos os seres humanos, por serem históricos tanto filogenética quanto ontogeneticamente. Todo o arcaboouço cultural e humano lhe é possível, a despeito (ou mediante) do que assevera a normatividade da civilização.
Isto posto, cumpre à psicopatologia crítica um olhar para além do sintoma.

PARA A PALESTRA:
"perdendo esta virtualidade ambígua do diálogo, e não mais apreendendo a palavra senão pela face esquemática que ela apresenta ao sujeito falante, o doente perde o domínio de seu universo simbólico; e o conjunto das palavras, dos signos, dos ritos, em resumo de tudo o que há de alusivo e referencial no mundo humano, cessa de integrar -se num sistema de equivalências significativas; as palavras e os gestos não constituem mais o domínio comum no qual se encontram as intenções de si próprio e dos outros, mas significações existindo por si mesmas, de uma existência maciça e inquietante; o sorriso não é mais a resposta banal a uma saudação cotidiana; é um acontecimento enigmático que nenhuma das equivalências simbólicas da pol idez pode reduzir; no horizonte do doente ele se destaca, então, como o símbolo de não se sabe que mistério, como a expressão de uma ironia que se cala e ameaça. O universo da perseguição brota de todos os lados" (P. 22)
MEDO DA LOUCURA: que significado oculto você encerra? Vazio preenchido por identificações projetivas e formulações paranoides.

"o critério social da verdade ("acreditar no que os outros crêem") não tem mais valor para o doente [FQu, P baixo, XA baixo, Dd alto] (...) [ele] "é remetido a formas arcaicas de crença, quando o homem primitivo não encontrava em sua sol idariedade com o outro ocritério da verdade, quando projetava seus desejos e temores em fantasmagorias que teciam com o real as meadas indissociáveis do sonho, da aparição, e do mito" (p. 23)
"Os processos infantis de metamorfose do real tem, então, uma utilidade: constituem uma fuga, uma maneira vantajosa de agir sobre o real, um modo mítico de transformação de si mesmo e dos outros. A regressão não é uma queda natural no passado; é uma fuga intencional fora do presente. É mais um recurso do que um retorno" (p. 29). Assim, pode ser feita uma compreensão menos apassivada dos sintomas psíquicos.
"Nunca a psicologia poderá dizer a verdade sobre a loucura, já que é esta que detém a verdade da psicologia (...). [A arte] promete ao homem que um dia, talvez, ele poderá encontrar-se livre de toda psicologia para o grande afrontamento trágico com a loucura" (p. 60)

No Rorschach, talvez a abordagem por agrupamentos e a compreensão estatística/psicanalítica dos dados permitam uma reflexão também da história do indivíduo e da maneira adaptativa que ele faz uso de suas defesas regredidas-patológicas (recursos outros para além do lado esq. da EB)

Foucault, M. (1975). Doença mental e psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.

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