sábado, 10 de setembro de 2011

Kaplan e Sadock

KAPLAN, H. I. & SADOCK, B. J. (1984). Compêndio de Psiquiatria Dinâmica. 3ª edição. Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1981).

Considerações sobre cognição, testes projetivos e pensando sempre nos psicóticos.

Percepção
"Uma experiência que predispõe um individuo a certos tipos de percepção denomina-se um conjunto. Quanto mais ambíguo for o estímulo, tanto mais sua percepção estará determinada pelo conjunto de propensões do sujeito. E quanto mais intenso for o conjunto do indivíduo, mais irá determinar sua percepção. O significado atribuído a um estímulo particular, por um indivíduo, é uma função da ambiguidade do estimulo e da intensidade do seu conjunto".
"A maior aplicação destes princípios em psiquiatria foram os testes projetivos, nos quais estímulos ambíguos são apresentados a indivíduos e suas respostas analisadas em termos de importância e estruturação. Desta analise se extrai uma descrição da personalidade do individuo segundo suas tendencias perceptuais".
"As necessidades do indivíduo influenciam o conteúdo do que é percebido".
"Muitos experimentos indicam que as pessoas podem ser influenciadas em seus próprios juízos perceptuais, pelos juízos dos outros. O grau de influencia depende da consistência dos juízos alheios, do status das pessoas que os emitem e da habilidade a elas atribuída".
"Grande parte da percepção é comportamento aprendido".

"Se os estados motivacionais e de necessidade do organismo influenciam a percepção do seu ambiente, pode-se deduzir que um transtorno psicopatológico exercera um profundo efeito sobre o funcionamento perceptual. Um indivíduo que apresente medo ou necessidade patológica de evitar determinadas categorias de pessoas ou experiencias terá uma tendencia para bloquear a percepção de estímulos ameaçadores". (p. 45)

Processamento da informação
"O processamento da informação estuda a rota seguida por dado estímulo ao penetrar no sistema nervoso central, o caminho por ele percorrido através das diversas estacoes desde a mudança fisiológica produzida pelo input até os processos sensoriais e conceptuais: o modo como esses processos são propagados como a mensagem da energia do estimulo e a maneira como a mensagem chega finalmente aos canais apropriados e é absorvida ou dissipada".
-série progressiva de acontecimentos que ocorrem supervenientemente.
--Aptidão e atenção: nem sempre é possível processar e responder a todos os inputs. A atenção descreve o fenômeno pelo qual alguns estímulos, ao invés de outros, comandam o processamento e as respostas comportamentais. Tipos: -controle (voluntário ou involuntário), -atenção seletiva e filtração, -atenção focalizada e dividida, -excitação e atenção (p. 45)

Cognição
"Cognição é o processo de conhecer e tornar-se ciente de percepções e, então, ordená-las em conceitos e abstrações mais amplos.
A cognição se desenvolve em interação com as circunstancias da vida do indivíduo, das mais concretas as mais abstratas. Quando qualquer parte do sistema de linguagem simbólico do homem está alterada em termos psicopatológicos, seu processo de pensamento ou de solução de problemas estará desfavoravelmente afetado. (…) Num certo sentido, a cognição compreende o reconhecimento, a recordação e a simbolização (classificação). Estas habilidades implicam o desenvolvimento do indivíduo em interação com o meio". (p.46)


O desenvolvimento da cognição como um todo está intrinsecamente envolvido com o desenvolvimento social e afetivo, dado que as interações influenciam sobremaneira a forma como o pensamento se desenvolve. Nomear psicoses como transtornos de pensamento, transtornos cognitivos ou como perda de contato com a realidade desimplica o fator interativo e afetivo que necessariamente está vinculado aos sintomas de ESTRANHAMENTO/RETRAIMENTO.

Novamente estou lutando contra o conceito de psicose~~


Reconheço que há pessoas em sofrimento psíquico grave, com risco de crises graves de estranhamento de si e do mundo, que as predispõem a cornificação de sintomas de difícil manejo – mas não consigo enquadrar estas pessoas numa visão psiquiátrica tradicional, que não dá conta de descrevê-las na sua perspectiva sindrômica (pois ainda acreditam no mito da doença mental)
Me proponho a descrevê-las de uma maneira diferente da sindrômica-sintomatológica, por entender que as categorias diagnósticas tradicionais são insuficientes e se falem de conceitos cientificamente inviáveis (como a esquizofrenia).
(Claro que a psicanálise é uma possibilidade, dado que compreende a psicopatologia dentro de uma teoria de personalidade – algo evolucionista, ainda, mas com perspectivas bem mais relacionais e afetivas na construção da personalidade, com multicausalidade tão complexa quanto as potencialidades humanas)
Psicanálise, avaliação psicodiagnóstica da personalidade, psicopatologia na psicose. Porque não esquizofrenia (e ainda não sofrimento psíquico grave). Porque não outros sofrimentos psíquicos graves que não envolvem estranhamento  DO TIPO PSICÓTICO - leia-se loucura - como depressão, neurose obsessiva-compulsiva, transtornos alimentares ou perversos.

Há algo de específico em umas pessoas muito estranhas, muito pouco convencionais, com processos perceptuais, de processamento, cognitivos, afetivos e interativos muito diferentes e de difícil comunicação. Suas produções podem não encontrar nicho na cultura e represálias por conta do distanciamento de suas comunicações podem trazer sentimentos de inferioridade, incapacidade, estranhamento. Estas pessoas tendem ao isolamento, quiçá por não se sentirem capazes de integrar-se ao meio ou contribuir de maneira mais convencional, e ansiedades quanto ao meio e a si próprios podem ser potencialmente desorganizadoras e trazer confusão a suas percepções. São comuns dificuldades nas habilidades sociais, no processo perceptivo e demandas afetivas podem não encontrar objetos suficientes para sua expressão, modulação e controle. Podem estar presentes manifestações de embotamento afetivo, e distanciamento entre o âmbito afetivo e o relacional. O investimento e elaboração de sentimentos e emoções pode se processar de maneira muito diferente do comum, em área distante da realidade interpessoal. Pessoas ao redor podem não ser capazes de perceber, nelas, as manifestações mais usuais de envolvimento afetivo e julgar estas pessoas como embotadas, desinteressadas socialmente, retraídas e bizarras. Ao considerar o desenvolvimento destas pessoas, manifestações cada vez mais estranhas da angústia fundamental do ser humano são possíveis. Alucinações se referem a percepções sem estímulos externos, completamente motivadas por demandas internas que não encontraram outro meio de expressão ou elaboração. Delírios são formações de julgamento sobre as percepções fundamentadas em lógicas e premissas incorretas, também fundamentados em demandas internas elaboradas de maneira bizarra para a intersubjetividade. A psicanálise entende alucinações e delírios como resultados de mecanismos de defesa muito primitivos, característicos de pessoas que não tiveram oportunidades interativas suficientemente adequadas para desenvolver recursos de defesa contra conflito mais sofisticados. Em alguns indivíduos, a indisponibilidade de um ambiente suficientemente bom em etapas muito precoces do desenvolvimento pode levar a desconfiança na realidade do ambiente – e de si próprio. Assim, o indivíduo se fia mais prioritariamente em elaborações internas, conclusões feitas a partir de suas percepções sem grande teste na intersubjetividade. Estas podem iniciar de maneira não tão distorcida, mas na medida em que as demandas ansiosas internas aumentam, e buscam expressão no meio externo, pode ser estruturada uma realidade outra, em que é possível investir afetos, elaborar pensamentos e crenças confiáveis, protegidos das ameaças externas desestruturantes.
Estes são os psicóticos.
Loucura insipiente

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