sábado, 10 de setembro de 2011

O que é psicose?

Há pessoas em sofrimento psíquico grave, com risco de crises graves de estranhamento de si e do mundo, que as predispõem a cornificação de sintomas de difícil manejo – mas não consigo enquadrar estas pessoas numa visão psiquiátrica tradicional, que não dá conta de descrevê-las na sua perspectiva sindrômica (pois ainda acreditam no mito da doença mental).
Me proponho a descrevê-las de uma maneira diferente da sindrômica-sintomatológica, por entender que as categorias diagnósticas tradicionais são insuficientes e se falem de conceitos cientificamente inviáveis (como a esquizofrenia).
(Claro que a psicanálise é uma possibilidade, dado que compreende a psicopatologia dentro de uma teoria de personalidade – algo evolucionista, ainda, mas com perspectivas bem mais relacionais e afetivas na construção da personalidade, com multicausalidade tão complexa quanto as potencialidades humanas)
Psicanálise, avaliação psicodiagnóstica da personalidade, psicopatologia na psicose. Porque não esquizofrenia (e ainda não sofrimento psíquico grave). Porque não outros sofrimentos psíquicos graves que não envolvem estranhamento DO TIPO PSICÓTICO (como depressão, neurose obsessiva-compulsiva, transtornos alimentares ou perversos).
Há algo de específico em umas pessoas muito estranhas, muito pouco convencionais, com processos perceptuais, de processamento, cognitivos, afetivos e interativos muito diferentes e de difícil comunicação. Suas produções podem não encontrar nicho na cultura e represálias por conta do distanciamento de suas comunicações podem trazer sentimentos de inferioridade, incapacidade, estranhamento. Estas pessoas tendem ao isolamento, quiçá por não se sentirem capazes de integrar-se ao meio ou contribuir de maneira mais convencional, e ansiedades quanto ao meio e a si próprios podem ser potencialmente desorganizadoras e trazer confusão a suas percepções. São comuns dificuldades nas habilidades sociais, no processo perceptivo e demandas afetivas podem não encontrar objetos suficientes para sua expressão, modulação e controle. Podem estar presentes manifestações de embotamento afetivo, e distanciamento entre o âmbito afetivo e o relacional. O investimento e elaboração de sentimentos e emoções pode se processar de maneira muito diferente do comum, em área distante da realidade interpessoal. Pessoas ao redor podem não ser capazes de perceber os sinais mais usuais de envolvimento afetivo e julgar estas pessoas como embotadas, desinteressadas socialmente, retraídas e bizarras. Ao considerar o desenvolvimento destas pessoas, manifestações cada vez mais estranhas da angústia fundamental do ser humano são possíveis. Alucinações se referem a percepções sem estímulos externos, completamente motivadas por demandas internas que não encontraram outro meio de expressão ou elaboração. Delírios são formações de julgamento sobre as percepções fundamentadas em lógicas e premissas incorretas, também fundamentados em demandas internas elaboradas de maneira bizarra para a intersubjetividade. A psicanálise entende alucinações e delírios como resultados de mecanismos de defesa muito primitivos, característicos de pessoas que não tiveram oportunidades interativas suficientemente adequadas para desenvolver recursos de defesa contra conflito mais sofisticados. Em alguns indivíduos, a indisponibilidade de um ambiente suficientemente bom em etapas muito precoces do desenvolvimento pode levar a desconfiança na realidade do ambiente – e de si próprio. Assim, o indivíduo se fia mais prioritariamente em elaborações internas, conclusões feitas a partir de suas percepções sem grande teste na intersubjetividade. Estas podem iniciar de maneira não tão distorcida, mas na medida em que as demandas ansiosas internas aumentam, e buscam expressão no meio externo, pode ser estruturada uma realidade outra, em que é possível investir afetos, elaborar pensamentos e crenças confiáveis, protegidos das ameaças externas desestruturantes.
Estes são os psicóticos.

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