sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A mente e sua relação com o psique-soma

Winnicott, D. W. (1949). A mente e sua relação com o psique-soma. In: Winnicott, D. W. (1988). Textos selecionados: da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: F. Alves, pp. 409-425.

Psique: "elaboração imaginativa de partes, sentimentos e funções somáticas"

A inter-relação entre a psique e o soma constitui uma fase inicial do desenvolvimento. Posteriormente, "o corpo vivo, com seus limites, e com um interior e um exterior, é sentido pelo indivíduo como formando o cerne do self imaginativo"

A mente tem a raiz na necessidade que o bebê tem de um ambiente perfeito. Na medida em que este fracassa, a atividade mental o compreende, compensa e transforma em sucesso adaptativo.
"Se ela [a mãe] é suficientemente boa, o bebê se torna capaz de compensar suas [dela] deficiências através da atividade mental. (...) A atividade mental do bebê transforma o relativo fracasso de adaptação em sucesso adaptativo. O que livra a mãe da necessidade de ser quase perfeita é a compreensão do bebê" (pp. 412-413).

Algo ocorre neste processo que torna o bebê (a criança) incapaz de inscrever, em sua atividade mental, um tipo específico de fracasso ambiental. A demanda real da ameaça de castração, ou seja, de que há limites sociais para a realização do desejo, é rejeitada por um tipo específico de bebê. Podemos nos arriscar a dizer que, para este tipo de bebê, houve um jogo oculto entre os pais, em que o bebê esteve envolvido por meio de uma promessa feita também às ocultas: de que o bebê era aliado, parte de um dos pais (contra o outro). Desta forma, houve comprometimento no estabelecimento de uma relação triádica entre pessoas totais, o que é base do conflito edípico e da constituição do complexo de castração e do complexo edípico. Ao contrário, pode ser difícil estabelecer limites entre o que é subjetivo e objetivo, dado que o bebê precisou responder a uma demanda feita pelo meio, intrusiva, e não um movimento natural de sua continuidade de ser.

Mente-psique patológica, em oposição ao psique-soma original: "Como resultado mais comum de um grau pequeno de cuidado materno torturante nos estádios iniciais da vida infantil, o funcionamento mental torna-se uma coisa em si, praticamente substituindo a mãe boa e tornando-a desnecessária. Clinicamente, isso pode acompanhar uma dependência da mãe real e um crescimento pessoal falso com base na submissão. Esse é um estado de coisas extremamente desconfortável, especialmente porque a psique do indivíduo de deixa 'atrair' por essa mente, afastando-se do relacionamento íntimo que originalmente mantinha com o soma. O resultado é uma mente-psique, que é patológica." (p. 414).

Crescimento excessivo da função mental como relação a uma maternagem inconstante. O pensamento do indivíduo começa a controlar e organizar os cuidados a serem dispensados ao psique-soma, ao passo que na saúde, isto é uma função do ambiente.

A falsidade do conceito de mente como fenômeno localizado
"O curioso atualmente é que, de novo, no pensamento médico científico, o cérebro foi igualado à mente, que um certo tipo de doente sente como uma inimiga, e uma coisa dentro do crânio" (p. 423).

Por que a cabeça?
"Sinto que a necessidade do indivíduo de localizar a mente por ser ela um inimigo, isto é, para controlá-la, é um ponto importante. Um paciente esquizoide me diz que a cabeça é o lugar onde se deve por a mente porque como não se pode ver a cabeça, ela não existe de maneira óbvia, como parte de nós mesmos" (p. 415).

"Podemos ver que um dos objetivos da doença psicossomática é atrair a psique para longe da mente, de volta à associação íntima original com o soma".

Fracasso excessivo da adaptação ativa do meio às necessidades do indivíduo: além da capacidade de compreensão ou de predição. Em vez de odiar, o indivíduo deixa-se desorganizar pelos fracassos do meio, porque estes existiram antes da experimentação dos impulsos libidinais amorosos fundidos aos agressivos; isto é, a desorganização se dá porque o indivíduo é, ainda, incapaz de amar ou odiar.

A aceitação do não-saber produziu um enorme alívio. 'Saber' transformou-se em 'o analista sabe', isto é, 'comporta-se fidedignamente, adaptando-se às necessidades do paciente'. Toda a vida da paciente havia sido construída em torno do funcionamento da mente, que controla e regula suas necessidades, mais do que um psique-soma que experimenta e cria.

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